domingo, 18 de novembro de 2012

Pluralidade de partes no processo administrativo


Pluralidade de partes no processo administrativo

No âmbito da jurisdição administrativa, tal como em outras, podem os litígios ter uma pluralidade de partes. Tal ocorre quando há uma pluralidade de autores com um só demandado, quando uma pluralidade de autores acciona uma pluralidade de demandados ou quando um só autor acciona uma pluralidade de demandados. A estas situações é dada a designação de litisconsórcio ou de coligação. Vejamos já de seguida os pressupostos de cada uma destas figuras.           
A coligação vem expressa no artigo 12º do CPTA[1] e traduz-se numa situação em que há vários autores que accionam um ou vários demandados, estando em causa pedidos diferentes. Pelo contrário, o litisconsórcio ocorre quando existe uma “co-titularidade da relação jurídica entre os litisconsortes e, por isso, também, a existência de uma única relação material, como se houvesse um único autor (litisconsórcio activo) ou um único demandado (litisconsórcio passivo) [2]. Assim sendo, se cada um dos pedidos for accionado contra cada um dos demandados ou se for formulado por cada um dos autores[3] estamos perante uma coligação, pelo contrário, se o(s) pedido(s) forem formulados por todos os autores ou contra todas as partes estamos perante um caso de litisconsórcio.
O artigo 12º do CPTA, referente à coligação, é, em alguns aspectos, semelhante ao artigo 30º do CPC, nomeadamente no que diz respeito aos requisitos de conexão objectiva de que depende a coligação. Estes são, em alternativa, unidade da fonte das relações jurídicas controvertidas em virtude de os pedidos se fundarem numa mesma causa de pedir; dependência entre os pedidos; conexão entre os pedidos por dependerem da apreciação dos mesmos factos ou envolverem a interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.
Os requisitos que o artigo 12º do CPTA enumera para que seja possível estarmos perante uma coligação são os mesmos que, atendendo ao disposto no artigo 4º, nº 1 do CPTA depende a cumulação[4] de pedidos. Na vigência do Decreto-lei nº 267/85 de 16 de Julho estas duas figuras eram tratadas no mesmo artigo[5] e encontravam mais obstáculos do que se observa actualmente. Ao contrário do que estabelece o CPTA actual, outrora não era permitida a coligação (ou cumulação) de pedidos que correspondessem a distintas formas de processo ou que fossem da competência de tribunais diferentes. Esta alteração legislativa veio facilitar o recurso às figuras da cumulação e da coligação no âmbito do processo administrativo, ao contrário do que ainda hoje acontece em processo civil, nos termos do artigo 31º do CPC, onde não é permitida a coligação quando a forma de processo ou o tribunal competente não seja o mesmo para todos os pedidos
Caso não sejam observados os pressupostos presentes no artigo 12º do CPTA, encontramos um obstáculo ao julgamento de mérito. Assim sendo, nos termos do artigo 89º, nº 1, alínea e), a ilegalidade da coligação obsta ao prosseguimento do processo, acarretando a absolvição da instância. No entanto, atendendo ao disposto no artigo 12º, nº 3 do CPTA, não havendo a conexão exigida pelo nº 1 do mesmo artigo, o juiz procederá à notificação do(s) autor(es) para que no prazo de 10 dias seja indicado o pedido que pretende(m)ver apreciado no processo, sob pena que haja absolvição da instância quanto a todos os pedidos formulados. Caso o autor não satisfaça o convite do juiz e se dê a absolvição da instância, não poderá o autor recorrer à renovação da instância, prevista no artigo 88º, nº4 do CPTA. Situação diversa acontecerá quando o autor identificar o pedido que pretende ver apreciado. Neste caso haverá absolvição da instância apenas quanto aos demais pedidos mas estes poderão, autonomamente, ser deduzidos “aproveitando os efeitos substantivos decorrentes da data de entrada da primeira petição, desde que apresente as novas petições dentro do prazo de um mês a contar do trânsito em julgado da decisão da absolvição da instância[6], nos termos do artigo 12º, nº4.
Tal como já foi acima referida, no processo administrativo é possível recorrer ao litisconsórcio, sempre que, para tal, estejam verificados todos os seus requisitos – unicidade do pedido e uma única relação jurídica substancial em conflito[7].
O artigo 10º nº7 do CPTA configura um caso de litisconsórcio ou, mais precisamente, segundo Mário Aroso de Almeida, um litisconsórcio voluntário passivo um vez que admite que a acção seja proposta contra entidades públicas, bem como contra particulares, desde que estes últimos sejam também partes na relação controvertida. Segundo as palavras de Mário Aroso de Almeida, o nº 7 do artigo 10º compreende situações de pluralidade subjectiva subsidiária, presentes no artigo 31-B do Código do processo civil, isto é, situações em que se demostre haver fundada dúvida sobre a titularidade da relação controvertida, é concedido ao autor o poder de deduzir subsidiariamente no mesmo pedido, ou deduzir pedido subsidiário, contra réu diverso do que é demandado a título principal. Já Vieira de Andrade entende tratar-se de um litisconsórcio necessário[8], uma vez que se demostra útil e essencial, pela própria natureza da relação em causa, a intervenção de vários demandados para que a decisão possa produzir o seu efeito efeito útil normal.
Resulta do artigo 1º do CPTA a aplicação subsidiária do disposto na lei de processo civil, pelo que se aplica a figura do litisconsórcio activo, quer seja voluntário, quer seja necessário em contencioso administrativo, sempre que forem observados todos os pressupostos do artigo 28º do CPC.
Cabe agora fazer uma breve referência ao estatuto jurídico dos contra-interessados, previsto no artigo 57º e 68º, nº2 CPTA. O artigo 57º começa por nos dizer que, para além da entidade autora do acto impugnado, são também obrigatoriamente demandados todos aqueles que tenham um interesse contraposto ao do autor da acção. Para ser mais fácil perceber esta figura, peguemos num exemplo: A e B são vizinhos; A propõe uma acção para que se proceda à demolição de algo que o esteja a incomodar; ao interesse de A, que quer a demolição, contrapõe-se o interesse de B, que não pretende a demolição. Esta situação configura um caso de litisconsórcio necessário passivo (artigo 10º, nº1 CPTA), uma vez que ambos irão ser afectados pela decisão, pelo que se percebe a sua qualidade de verdadeiras partes na relação controvertida e, para o efeito, devem ser demandadas em juízo. Estão hoje, portanto, dissipadas as dúvidas quanto à qualidade de partes dos contra-interessados, deixando-se de se considerar esta situação como um litisconsórcio quase-necessário, como se fazia antigamente.
A lei, no artigo 78º, nº2, alíena f) indica como requisito da petição inicial a identificação, bem como a residência dos eventuais contra-interessados, pelo que a falta de indicação constitui motivo de recusa da petição pela secretaria, nos termos do artigo 80º, nº 1, alínea b). Não obstante, por uma razão ou por outra, nem sempre é fácil proceder à identificação de todos os contra-interessados pelo que a lei apenas torna obrigatória a demanda daqueles que se saiba, ou não se deva desconhecer, que tenham um interesse juridicamente tutelado na acção.  
É, no entanto, necessário que o âmbito dos contra-interessados seja bem delimitado para que, tal como se pode observar pela leitura do artigo 10º, nº1, todos os titulares de interesses contrapostos ao autor sejam demandados sob pena de, se tal não acontecer, nos depararmos perante uma situação de ilegitimidade passiva que obste ao conhecimento da causa e que seja inoponivel a decisão judicial que possa vir ser proferida à revelia dos contra-interessados.

Bibliografia:
·     ANDRADE, José Carlos Vieira de, Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 10º Edição
·    ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de processo administrativo, Almedina, 2010
·    SILVA, Vasco Pereira da, Contencioso Administrativo no divã da psicanálise, Almedina
·   OLIVEIRA, Mário Esteves de / OLIVEIRA, Rodrigo Esteves de, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I, Almedina, 2006


Ana Sofia Freire
Aluna nº 19493


[1] De salientar que este artigo aplica-se a todo o âmbito do processo administrativo.
[2] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de processo administrativo, Almedina, 2010, p.258
[3] Dentro da coligação encontramos duas subfiguras, a coligação de autores e a coligação de réus. A primeira verifica-se sempre que vários autores desencadeiam apenas um processo contra um ou vários demandados; a segunda situação ocorre quando num único processo o autor acciona vários demandados, por pedidos distintos.
[4] Importa distinguir cumulação de pedidos de coligação. No primeiro o mesmo autor pretende que o tribunal decida sobre vários litígios que o opõem ao mesmo demandado. Inversamente, na coligação há vários autores e/ou vários demandados por pedidos diferentes.
[5] ARTIGO 38.º do DECRETO-LEI N.º 267/85de 16 de Julho
          (Cumulação e coligação)
1 – O recorrente pode cumular a impugnação de actos que estejam entre si numa relação de dependência ou de conexão. 
2 – Podem coligar-se vários recorrentes quando impugnem o mesmo acto ou, com os mesmos fundamentos jurídicos, actos contidos num único despacho ou outra forma de decisão. 
3 – A cumulação e a coligação não são admissíveis: 
a) Quando a competência para conhecer das impugnações pertença a tribunais de diferente categoria;  
b) Quando a impugnação dos actos não esteja sujeita à mesma forma de processo. 
4 – Em caso de ilegal cumulação ou coligação, os recorrentes têm a faculdade de interpor novos recursos, no prazo de um mês, a contar do trânsito em julgado da decisão, considerando-se as respectivas petições apresentadas na data de entrada da primeira.
[6] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de processo administrativo, Almedina, 2010, p.265
[7] ANDRADE, José Carlos Vieira de, Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 10º Edição, p. 289
[8] ANDRADE, José Carlos Vieira de, Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 10º Edição, p. 290


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