terça-feira, 20 de novembro de 2012

INTERPRETAÇÃO QUANTO AO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO ART. 20º Nº1 do CPTA

Pretende-se com esta breve análise apreciar o que foi decidido no acórdão do tribunal central administrativo sul, processo nº 08518/12 da secção CA-2º Juízo que tem como problemática a competência territorial do Tribunal quanto a uma acção referente a uma entidade de âmbito local e portanto discute acerca da dicotomia da aplicação do art. 16º e 20º nº1 do CPTA. 


INTRODUÇÃO
O acórdão tem por base uma acção administrativa especial instaurada pelo sindicato dos enfermeiros portugueses, com sede em Lisboa contra uma unidade local de saúde, EPE, na qual é pedida a anulação da deliberação do Conselho de Administração da entidade demandada e a condenação à prática de ato devido.
No entanto, instaurou-se a acção no Tribunal administrativo do círculo de Lisboa com base na regra geral do art. 16º nº1, o que vem fazer com que se venha a declarar o tribunal territorialmente incompetente, tendo em conta que se deve aplicar a este litígio o disposto no art. 20º nº1 CTPA por estar em causa uma entidade de âmbito local, ordenando então a remessa para o respectivo tribunal competente. 
Esta unidade local de saúde, EPE, foi criada pelo D.L. nº 318/2009, de 02/11, é uma entidade pública de natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa e financeira, por integração do Hospital Amato Lusitano com os agrupamentos de centros de saúde da Beira Interior e do Pinhal Interior Sul, que incluem os centros de saúde de Idanha-a-Nova, Penamacor, Vila Velha de Ródão, Oleiros, Proença-a-Nova, Sertã, Mação e Vila do Rei.
De acordo com os respetivos Estatutos, a Unidade Local de Saúde, EPE tem como objectivo principal a prestação de cuidados de saúde primários, secundários e continuados à população e assegurar as atividades de saúde pública e os meios necessários ao exercício das competências da autoridade de saúde, na área geográfica por ela abrangida.
O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 09/05/2011 que, no âmbito da ação administrativa especial instaurada contra a Unidade Local de Saúde, declarou o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa incompetente em razão do território.

Art. 16º e 20º nº1 CPTA
Consagra-se no artº 16 do CPTA, a regra geral de competência territorial dos Tribunais Administrativos, sendo os processos, em primeira instância, intentados no tribunal de residência habitual ou da sede do autor ou da maioria dos autores e, nos preceitos subsequentes, prevêem-se regras especiais de competência territorial.
Sendo o art. 16º a regra geral,  é esta a solução que deve aplicar-se sempre que não haja disposição especial da lei a prescrever qual o tribunal territorialmente competente. 
Atendendo à relação de especialidade, a regra especial derroga a regra geral, pelo que, subsumindo-se o litígio a alguma das regras especiais de competência, será essa a aplicável.
Antes de se chegar à aplicação de tal regra, há porém que averiguar se não se trata de uma situação abrangida pelas normas dos artigos subsequentes, que são bem numerosas. 
Neste caso estava em causa perceber se não estávamos perante uma situação do art. 20º nº1: "um processo respeitante a acções ou omissões das Regiões autónomas e autarquias locais e demais entidades de âmbito local, das pessoas colectivas de utilidade pública ou dos concessionários", para averiguarmos se poderia ou não funcionar a regra do art. 16º. 
Caso seja um caso do art. 20 º nº1 deve ser intentado no tribunal da área da sede da entidade demandada.
Fica incluída no âmbito deste preceito a chamada administração indirecta regional e autárquica, ou seja os entes públicos menores, incluindo entes empresariais públicos por si erigidos. 
É duvidoso porém se devem ser abrangidos os entes menores criados pelo Estado mas que sejam de âmbito local como por exemplo o Hospital de Santa Maria. A letra e a ratio do número 1 deste artigo sugere que sim, pois o que interessa é o facto de se tratar de um ente com sede e área de actuação localmente delimitados, embora seja verdade que não era essa a solução avançada pela jurisprudência no quadro do direito anterior, veja-se o Acórdão do STA de 18.05.1989, proc. 26.258. 
O problema a que se dedica este acórdão prende-se quanto à interpretação de se a entidade do caso concreto se insere ou não no âmbito do art. 20º nº1 para se poder determinar se se aplica a regra geral do art. 16º se não se enquadrar no preceito do art. 20º nº1 ou antes no art. 20º nº1 se for esse o caso.


           OPINIÃO DO RECORRENTE - 16º Nº1 E EXCLUSÃO DO ART. 20º Nº1
O recorrente é da opinião de que esta entidade não se insere no art. 20º nº1 e que portanto o tribunal competente é o referido no art. 16º nº1, ou seja tendo a associação sindical sede em Lisboa, é competente territorialmente, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Os argumentos referidos pelo recorrente são que esta não é uma entidade com área de atuação localmente delimitada e não se enquadra na regra do n.° 1 do artigo 20.° do CPTA, isto porque esta unidade local de saúde, EPE  é uma pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial com capital estatutário detido pelo Estado que tem por objeto principal não só a prestação de cuidados de saúde  dos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, bem como a todos os cidadãos em geral. 
Conclui portanto que a sentença que declara o tribunal territorialmente incompetente não fez uma boa interpretação e aplicação do direito aos factos relativamente aos artigos 16.° e 20.°, n.° 1 do CPTA, pedindo então a revogação da sentença recorrida. 


OPINIÃO DA RECORRIDA - APLICAÇÃO DO ART. 20º Nº1 EM DETRIMENTO DO art. 16º Nº1
A recorrida, tendo como opinião que o tribunal competente é o do art. 20º nº1 e não o do art. 16º devido à regra de especialidade apresentou como contra-alegação, o facto de a unidade local de saúde ser uma pessoa colectiva de direito público de natureza empresarial dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, que tem como objectivo principal a prestação de cuidados de saúde apenas na área geográfica por ela abrangida. 
Logo, de acordo com o art. 20°/1 do CPTA, os processos respeitantes á prática ou omissão de normas e atos administrativos das entidades de âmbito local, são intentados no tribunal da área da sede da entidade demandada. 
Isto porque estamos perante uma unidade de saúde com uma área de atuação localmente delimitada, portanto impõe-se a sua qualificação como uma entidade de âmbito local, pois esta serve somente a população da região. 
O facto de esta constituir uma Instituição pertencente ao Serviço Nacional de Saúde, apenas significa que se integra numa rede interligada e articulada de serviços, que em conjunto pretendem apenas abranger o espaço nacional, como forma de sustentabilidade e rentabilização de recursos, custos e equipamentos tendo em conta a proximidade das populações. Porém, tal não pode servir de argumento para pretender-se com esta alegação, alargar ou desintegrar a sua vocação de entidade local. 
A unidade de saúde tem um carácter localizado e perfeitamente delineado, com uma área de influência determinada em que os doentes são transportados para as suas instalações se pertencerem á sua área de influência, caso contrário são transportados para a unidade de saúde á qual pertencem de acordo com a sua morada ou residência registada. 
Os cuidados de saúde são prestados efetivamente a todos os cidadãos em geral, mas apenas nas suas instalações e aos que a ela recorrem e não a outros. São portanto entidades localizadas e cuja atividade está confinada a uma determinada área de atuação geográfica, logo estas só podem ser consideradas entidades de âmbito local e não nacional.
Além disso, o facto de o Estado deter uma parte do seu capital estatutário não é argumento, pois o critério que deve permanecer para aferir do seu caráter local, não é o de quem detém o capital ou a quem pertence a sua titularidade mas o da sua territorialidade, área de influência, área de atuação e população servida por essa área de influência. A territorialidade deve ser entendida como um sentido de pertença, fixação, sitio, que inclusive se reflete maioritariamente até, na própria designação ou nome que as instituições incorporam. 
Assim, sendo o art. 20º/1 do CPTA uma norma especial, a mesma afasta a regra geral prevista no art. 16° deste código, que determina como tribunal competente o da residência habitual ou sede do autor, donde resulta ser o tribunal competente para conhecer do pedido apresentado pela Autora, o Tribunal da área da sede da entidade demandada , tribunal para onde, nos termos do art. 14°/1 do CPTA deverá o processo ser remetido para dele conhecer. 
Sendo assim, teria sido feita uma correta e boa interpretação do âmbito de aplicação da competência territorial dos tribunais administrativos, levando então à rejeição do recurso, mantendo-se a sentença recorrida. 

DECISÃO DO RECURSO
Concluiu-se que a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de Direito quanto à interpretação do art. 16º e 20º nº1 do CPTA relativamente à competência territorial do Tribunal para conhecer e decidir o objecto do litígio. É da opinião que o recorrente não tem razão ao excluir esta entidade do âmbito de aplicação do art. 20º nº1 aplicando o art. 16º.
Esta decisão foi tomada de acordo com o art. 2º nº1 do Estatuto da unidade local de saúde, o qual vem confirmar que esta tem por objecto principal a prestação de cuidados de saúde, na área geográfica por ela abrangida. 
O nº 2 do artº 5º do D.L. nº 318/2009, de 02/11 vem ainda sublinhar o facto de que o membro do Governo responsável pela área da saúde pode delegar os poderes a que se refere o número anterior “no conselho de administração da administração regional de saúde territorialmente competente”
Perante a delimitação do litígio e a configuração da entidade demandada, importa reverter para o disposto no nº 1 do artº 20º do CPTA, no sentido de saber se a mesma constitui uma “entidade de âmbito local”.
Tal área corresponde à área geográfica do antigo Hospital Amato Lusitano – Castelo, assim como a dos agrupamentos de centros de saúde da Beira Interior e do Pinhal Interior Sul.
Tal como entendido na sentença recorrida, a entidade demandada constitui uma entidade de âmbito local, nos termos e para os efeitos do nº 1 do artº 20º do CPTA.
Nestes termos, encontra-se prevista uma norma especial de competência, que derroga a regra geral, prevista no artº 16º do CPTA.
Por tudo quanto vem de ser exposto, os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul acordaram, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida, por não provados os seus respetivos fundamentos. Sendo denegado provimento ao recurso, incorreu o recorrente, Sindicato, na condenação ao pagamento das respetivas custas processuais (nº 3 do artº 310º da Lei 59/2008, de 11/09 e alínea f) do nº 1 do artº 4º do RCP.)


CONCLUSÃO
O que aparentemente caberia na regra geral do art. 16º CPTA, não cabe devido a uma interpretação, na minha opinião correcta, feita pelo tribunal de que aquela entidade cabe na regra especial do art. 20º nº1 CPTA, isto porque é coerente excluir a regra geral do art. 16º nº1 face à especialidade do art. 20º nº1 que tem como objectivo que não seja o tribunal da sede do autor e sim o tribunal da entidade demandada quando essa entidade é de âmbito local, o que faz todo o sentido. 
No entanto, é de notar também que determinar qual o tribunal competente em contencioso administrativo pode parecer fácil à primeira vista, tendo em conta que é fácil perceber que apenas se aplica a regra geral do art. 16º nº1 se nenhum dos artigos subsequentes for aplicável. Não é, porém, tão fácil assim, aferir caso a caso quando é que estamos perante uma das regras especiais. É portanto essencial fazer-se uma interpretação cuidada e facilita bastante o facto da consequência ser apenas a da remessa para o tribunal competente de acordo com o art. 14º nº1 CPTA, pois evita assim demoras processuais derivadas de, em caso de absolvição de instância, o processo ter de recomeçar de novo no tribunal competente. 


BIBLIOGRAFIA
Acordão do TCAS: http://www.gde.mj.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/0f609d94b1e2277180257a23003ee6e4?OpenDocument
Código de processo nos tribunais administrativos anotado de Mário e Rodrigo Esteves de Almeida

Filipa Coimbra, 19604

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