quarta-feira, 14 de novembro de 2012


Impugnação de normas regulamentares

 

A matéria referente à impugnação de normas regulamentares insere-se no âmbito da acção administrativa especial, mais concretamente no artigo 46.º/2 c) CPTA. Tal deve-se aos casos em que a norma regulamentar lesa directamente os seus destinatários, conferindo-lhes o direito de reagirem perante tal lesão. De acordo com o disposto no artigo 72.º do CPTA, o objecto da impugnação de normas regulamentares é precisamente a declaração de ilegalidade de tais normas.

Esta solução de reacção contra normas regulamentares lesivas de direitos do particular encontrou consagração Constitucional no artigo 268.º/ 5 da Constituição da Republica Portuguesa. Quanto ao conceito/noção de regulamento pode-se considerar que o disposto presente nos artigos 72.º e seguintes se refere a todas as actuações jurídicas gerais e abstractas ou que possuam apenas uma dessas características provenientes de autoridades públicas ou particulares que com elas colaborem no exercício da função administrativa, no entendimento do Professor Vasco Pereira da Silva.

Convém fazer uma pequena comparação a nível de regimes existentes antes e depois da reforma. Começando pelo regime presente antes da reforma, era possível se reagir contenciosamente contra regulamentos administrativos por via incidental, aqui procedia-se à apreciação indirecta do regulamento, tendo como resultado final a anulação do acto administrativo que vinha acompanhada da não aplicação do regulamento ao caso concreto. Tinha-se ainda a hipótese de se reagir por meio processual genérico, a declaração de ilegalidade de normas administrativas presente nos artigos 66.º e ss do LEPTA( DL. nº 267/85, de 16 de Julho) e por fim como última modalidade de reação surge um meio processual especial, a impugnação de normas, artigos 63.º e ss do LEPTA, com o seu âmbito de aplicação limitado aos regulamentos emanados da administração local comum. Como tal podemos concluir que antes da reforma o contencioso dos regulamentos administrativos era marcado pela dualidade de meios processuais, seguindo deste modo o pensamento do Professor Vasco Pereira da Silva.

Passo de seguida à apreciação do novo regime, pós reforma:

Como principais características/inovações podemos elencar a uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar, dando por terminada com a dicotomia de meios processuais existente até à reforma, dando origem à subespécie de acção administrativa especial baseada no pedido de impugnação de normas jurídicas. Outra novidade é a de que actualmente as condições de apreciação das normas jurídicas dependem também de regras de legitimidade:

·         Regra geral: Dependência da existência de 3 casos concretos em que a aplicação da norma tenha sido recusada por qualquer tribunal, com fundamento na sua ilegalidade. (artigo 73.º/1 CPTA);

·         Quanto à acção pública, o Ministério Publico pode pedir a declaração de ilegalidade, mesmo na falta dos 3 casos concretos referidos no ponto anterior, daqui decorre uma ampliação da intervenção do Ministério Publico como tal decorrente do disposto no artigo 73.º/3 CPTA. A isto se soma o "dever" do Ministério Publico de pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral quando conheça de 3 decisões de desaplicação de uma norma com fundamento na sua invalidade (Artigo 73.º/4 CPTA);

·         Por fim quanto à acção para a defesa de direitos, assim como quanto à acção popular, a declaração de ilegalidade pode ter lugar quando se trate de uma norma jurídica imediatamente exequível, embora aqui só produza efeitos no caso concreto, artigo 73.º/2 CPTA. É importante referir que o Professor Vasco Pereira da Silva afirma que esta disposição se encontra formulada de maneira infeliz, argumentando que o legislador aqui parece confundir a desaplicação da norma com a declaração de ilegalidade.

 

Antes de passar a conclusão, penso ser importante referir os pressupostos processuais específicos da impugnação de normas jurídicas. Em primeiro lugar no que diz respeito ao pressuposto legitimidade, relacionado com os titulares de posições jurídicas subjectivas (actor publico e actor popular) nada há a referir, por outro lado quanto ao pressuposto procedibilidade, existem regras diferenciadas consoante o autor da acção, como atrás já foi referido. Em jeito de síntese, se estivermos perante uma acção publica são impugnáveis todos os regulamentos, sejam ou não exequíveis de acordo com o disposto no artigo 73.º/ 1 e 3 do CPTA, se for acção para defesa dos interesses próprios ou de acção popular se exige que tenha havido 3 sentenças de desaplicação no caso concreto à luz do artigo 73.º/1 CPTA. Por fim no caso de estarmos perante um regulamento exequível a declaração de ilegalidade só irá produzir efeitos no caso concreto (artigo 73.º/2 CPTA). Quanto ao pressuposto interesse, houve um alargamento do âmbito da impugnação de normas jurídicas, uma vez que se dispensou o caracter de actualidade do interesse como condição de legitimidade (não necessita se de ser um interesse directo), pois estamos perante um meio de impugnação de natureza objectiva. Por fim este tipo de pedido de impugnação não se encontra sujeito a prazos, como e visível no artigo 74.º do CPTA.

Em suma, podemos apontar o Ministério Público como principal responsável pela impugnação de normas jurídicas, isto deve-se ao facto de a actuação do actor popular e do particular estar condicionada a regra geral da existência dos 3 casos de desaplicação, isto presente no artigo 73.º/1 CPTA, ou ainda do caso especial de estarmos perante normas exequíveis altura em que a sentença terá o seu alcance reduzido. É de notar ainda a forte dimensão objectiva do contencioso relativo aos regulamentos e o consequente esquecimento da dimensão subjectiva, pois como afirma o Professor Vasco Pereira da Silva os regulamentos são formas de actuação administrativa susceptíveis de produzir efeitos lesivos na esfera jurídica dos particulares, o que se revela no tratamento desfavorável dado ao particular no seio deste meio de impugnação. Podemos aqui fazer referencia a Vieira de Andrade ao referir que segundo o mesmo, a impugnação de normas jurídicas apresenta duas modalidades decorrentes da possibilidade de apresentação de dois tipos de pedidos, o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e o pedido de declaração de ilegalidade no caso concreto. O Professor Vasco Pereira da Silva refere que para ele que ao se estabelecer a impugnação de normas gerais e abstractas só tem efeitos no caso concreto, só por si viola os disposto presente na Constituição no seu artigo 18.º/3 como também viola, por isso se deve considerar inconstitucional, bens e valores constitucionais de componente objectiva tais como o principio da legalidade e da igualdade. Por fim o âmbito de eficácia da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, previsto no artigo 76.º do CPTA, tem como fonte de inspiração o artigo 282.º da Constituição da República Portuguesa, no que diz respeito aos efeitos das declarações de in­cons­ti­tu­cio­na­lidade ou de ilegalidade com força obri­gatória geral que são proferidas pe­lo Tribunal Cons­titucional. Esta declaração de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos retroactivos bem como repristinatórios de acordo com o disposto no artigo 76.º do CPTA. Cumpre, também, referir que o tribunal pode limitar os efeitos da sua pronúncia quan­­­to ao passado, auxiliando-se do mecanismo previsto no artigo 76º, nº 2, quando um pe­­­dido de declaração de ilegalidade com força obrigatória ge­ral tiver sido deduzido por um interessado lesado por norma directamente aplicável, mas já incidentalmente julgada ile­­­­gal por três vezes.

 

 

João Marques

Nº 19674

 

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