Impugnação
de normas regulamentares
A matéria
referente à impugnação de normas regulamentares insere-se no âmbito da acção
administrativa especial, mais concretamente no artigo 46.º/2 c) CPTA. Tal
deve-se aos casos em que a norma regulamentar lesa directamente os seus
destinatários, conferindo-lhes o direito de reagirem perante tal lesão. De acordo com o disposto no artigo 72.º do CPTA, o objecto da
impugnação de normas regulamentares é precisamente a declaração de ilegalidade
de tais normas.
Esta solução
de reacção contra normas regulamentares lesivas de direitos do particular encontrou
consagração Constitucional no artigo 268.º/ 5 da Constituição da Republica
Portuguesa. Quanto ao conceito/noção de regulamento pode-se considerar que o
disposto presente nos artigos 72.º e seguintes se refere a todas as actuações
jurídicas gerais e abstractas ou que possuam apenas uma dessas características
provenientes de autoridades públicas ou particulares que com elas colaborem no
exercício da função administrativa, no entendimento do Professor Vasco Pereira
da Silva.
Convém fazer
uma pequena comparação a nível de regimes existentes antes e depois da reforma.
Começando pelo regime presente antes da reforma, era possível se reagir
contenciosamente contra regulamentos administrativos por via incidental, aqui
procedia-se à apreciação indirecta do regulamento, tendo como resultado final a
anulação do acto administrativo que vinha acompanhada da não aplicação do
regulamento ao caso concreto. Tinha-se ainda a hipótese de se reagir por meio processual
genérico, a declaração de ilegalidade de normas administrativas presente nos artigos
66.º e ss do LEPTA( DL. nº 267/85, de 16 de Julho) e por fim como última modalidade de reação surge um meio
processual especial, a impugnação de normas, artigos 63.º e ss do LEPTA, com o seu
âmbito de aplicação limitado aos regulamentos emanados da administração local
comum. Como tal podemos concluir que antes da reforma o contencioso dos regulamentos
administrativos era marcado pela dualidade de meios processuais, seguindo deste modo o pensamento do Professor Vasco Pereira da Silva.
Passo de seguida à apreciação do novo
regime, pós reforma:
Como principais
características/inovações podemos elencar a uniformização do regime jurídico do
contencioso regulamentar, dando por terminada com a dicotomia de meios
processuais existente até à reforma, dando origem à subespécie de acção administrativa
especial baseada no pedido de impugnação de normas jurídicas. Outra novidade é
a de que actualmente as condições de apreciação das normas jurídicas dependem
também de regras de legitimidade:
·
Regra
geral: Dependência da existência de 3 casos concretos em que a aplicação da norma
tenha sido recusada por qualquer tribunal, com fundamento na sua ilegalidade.
(artigo 73.º/1 CPTA);
·
Quanto
à acção pública, o Ministério Publico pode pedir a declaração de ilegalidade,
mesmo na falta dos 3 casos concretos referidos no ponto anterior, daqui decorre
uma ampliação da intervenção do Ministério Publico como tal decorrente do disposto no
artigo 73.º/3 CPTA. A isto se soma o "dever" do Ministério Publico de pedir a
declaração de ilegalidade com força obrigatória geral quando conheça de 3
decisões de desaplicação de uma norma com fundamento na sua invalidade (Artigo
73.º/4 CPTA);
·
Por
fim quanto à acção para a defesa de direitos, assim como quanto à acção
popular, a declaração de ilegalidade pode ter lugar quando se trate de uma
norma jurídica imediatamente exequível, embora aqui só produza efeitos no caso
concreto, artigo 73.º/2 CPTA. É importante referir que o Professor Vasco
Pereira da Silva afirma que esta disposição se encontra formulada de maneira
infeliz, argumentando que o legislador aqui parece confundir a desaplicação da
norma com a declaração de ilegalidade.
Antes de
passar a conclusão, penso ser importante referir os pressupostos processuais
específicos da impugnação de normas jurídicas. Em primeiro lugar no que diz respeito ao pressuposto legitimidade, relacionado com os titulares de posições
jurídicas subjectivas (actor publico e actor popular) nada há a referir, por outro lado quanto ao
pressuposto procedibilidade, existem regras diferenciadas consoante o autor da
acção, como atrás já foi referido. Em jeito de síntese, se estivermos perante uma acção
publica são impugnáveis todos os regulamentos, sejam ou não exequíveis de
acordo com o disposto no artigo 73.º/ 1 e 3 do CPTA, se for acção para defesa
dos interesses próprios ou de acção popular se exige que tenha havido 3 sentenças
de desaplicação no caso concreto à luz do artigo 73.º/1 CPTA. Por fim no caso
de estarmos perante um regulamento exequível a declaração de ilegalidade só irá
produzir efeitos no caso concreto (artigo 73.º/2 CPTA). Quanto ao pressuposto
interesse, houve um alargamento do âmbito da impugnação de normas jurídicas,
uma vez que se dispensou o caracter de actualidade do interesse como condição
de legitimidade (não necessita se de ser um interesse directo), pois estamos perante um meio de impugnação de natureza
objectiva. Por fim este tipo de pedido de impugnação não se encontra sujeito a
prazos, como e visível no artigo 74.º do CPTA.
Em suma,
podemos apontar o Ministério Público como principal responsável pela impugnação
de normas jurídicas, isto deve-se ao facto de a actuação do actor popular e do
particular estar condicionada a regra geral da existência dos 3 casos de
desaplicação, isto presente no artigo 73.º/1 CPTA, ou ainda do caso especial de
estarmos perante normas exequíveis altura em que a sentença terá o seu alcance
reduzido. É de notar ainda a forte dimensão objectiva
do contencioso relativo aos regulamentos e o consequente esquecimento da
dimensão subjectiva, pois como afirma o Professor Vasco Pereira da Silva os
regulamentos são formas de actuação administrativa susceptíveis de produzir
efeitos lesivos na esfera jurídica dos particulares, o que se revela no
tratamento desfavorável dado ao particular no seio deste meio de impugnação.
Podemos aqui fazer referencia a Vieira de Andrade ao referir que segundo o
mesmo, a impugnação de normas jurídicas apresenta duas modalidades decorrentes
da possibilidade de apresentação de dois tipos de pedidos, o pedido de
declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e o pedido de declaração
de ilegalidade no caso concreto. O Professor Vasco Pereira da Silva refere que
para ele que ao se estabelecer a impugnação de normas gerais e abstractas só
tem efeitos no caso concreto, só por si viola os disposto presente na
Constituição no seu artigo 18.º/3 como também viola, por isso se deve
considerar inconstitucional, bens e valores constitucionais de componente
objectiva tais como o principio da legalidade e da igualdade. Por fim o âmbito
de eficácia da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, previsto
no artigo 76.º do CPTA, tem como fonte de inspiração o artigo 282.º da
Constituição da República Portuguesa, no que diz respeito aos efeitos das declarações de inconstitucionalidade
ou de ilegalidade com força obrigatória geral que são proferidas pelo Tribunal
Constitucional. Esta declaração de ilegalidade com força obrigatória geral
produz efeitos retroactivos bem como repristinatórios de acordo com o disposto
no artigo 76.º do CPTA. Cumpre, também, referir que o tribunal pode limitar os
efeitos da sua pronúncia quanto ao passado, auxiliando-se do mecanismo
previsto no artigo 76º, nº 2, quando um pedido de declaração de ilegalidade
com força obrigatória geral tiver sido deduzido por um interessado lesado por
norma directamente aplicável, mas já incidentalmente julgada ilegal por
três vezes.
João Marques
Nº 19674
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