segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Âmbito da jurisdição administrativa no Contencioso da Cultura


Âmbito da jurisdição administrativa no Contencioso da Cultura

Não existem em Portugal aquilo a que poderíamos chamar “Tribunais da Cultura”, ou seja, tribunais que estejam incumbidos das questões relacionadas com a cultura e apenas estas questões. Mais ainda, não existem institutos ou regras de natureza contenciosa que sejam específicas do Contencioso da Cultura. Existem estes instrumentos sim, mas relativamente a um conjunto de ramos de direito como o do Urbanismo, do Ambiente e também da Cultura, devido àquilo a que a doutrina designa como “modo de pensar comunitário”, que origina, desta forma, instrumentos comuns e comunidade de objectivos, entre estes ramos de direito.

Posto isto, e sem nos alongarmos quanto à possibilidade de se criarem estes “Tribunais da Cultura”, já que, dada a abrangência desta, “atravessando” diversos ramos de direito e jurisdições, seria por demais complicada a sua existência, verificamos que nos litígios onde está em causa, a título principal e não reflexo, a protecção de bens culturais, existe uma “preferência material” dos tribunais administrativos em relação aos judiciais, explicada, regra geral, pela intervenção de uma entidade pública no processo. Deste modo, a nossa análise basear-se-á nos casos da competência dos tribunais administrativos.

Assim, poderemos começar por elencar as situações que não geram qualquer tipo de dúvida quanto ao facto de pertencerem ao âmbito da jurisdição administrativa. Desta forma, a protecção do património cultural está expressamente prevista no artigo 4º do ETAF, que define a competência dos tribunais administrativos, mais concretamente na alínia l), nº 1. Ainda nos termos do artigo 4º do ETAF poderemos integrar a condenação de entidades públicas na adopção de condutas impostas ou na abstenção de condutas proibidas pelas normas jurídico-públicas de protecção do património cultural, as pretensões para reclamação de responsabilidade civil por violação das normas anteriormente referidas (nº1/ g), h) ei) do ETAF), para além dos litígios do mesmo tipo mas que tenham por parte passiva uma entidade privada equiparada (que esteja a exercer funções públicas). Por fim, também os actos e normas administrativas em matéria de bens culturais (e os meios de reacção em tribunal contra eles) se encontram no âmbito da jurisdição administrativa (arts. 1º e 4º/1/a) ETAF e arts. 66º e ss. e 77º do CPTA).

No entanto, situações existem que se apresentam como mais discutíveis para a doutrina, das quais apresentarei algumas, sem intenção de exaustividade. Neste sentido, a maioria dos “casos duvidosos” tem como fundo a questão de saber se os sujeitos privados podem ser demandados nesta sede, ou seja, saber se, para apresentar um litígio com vista à protecção do património cultural na jurisdição administrativa estou, ou não, dependente da existência de um elemento de conexão relevante com esta jurisdição, mais concretamente, de uma acção ou omissão de uma entidade pública ou entidade privada que esteja no exercício de funções materialmente administrativas. Exemplificando, o caso em que um privado viola uma norma de protecção do património cultural sem que exista uma prévia omissão ilegítima de actuação de uma entidade administrativa. Será este um caso no âmbito da jurisdição administrativa? Defende MIGUEL RAIMUNDO que, neste caso, a melhor solução será a uniformização da competência nos tribunais administrativos, sem que seja necessária a prévia colocação da Administração numa situação de omissão, já que, na acção proposta contra particular que tenha lesado um interesse difuso, “a acção ganha uma coloração jurídico-pública pela simples natureza das regras postas para a protecção do património cultural, que são as que fundamentam a pretensão”. Ou seja, o litígio existe “independentemente da entidade administrativa mas não à sua margem”, podendo ser demandada em conjunto com o particular, dado que, após a proposição da acção a não actuação da entidade administrativa já a poderá responsabilizar. Outra situação duvidosa remete-nos para o âmbito da responsabilização civil de um agente por violação de normas de protecção do património cultural, nomeadamente quando praticadas por particulares. No que a esta questão diz respeito existem duas soluções, a primeira, e também mais óbvia, defende que nestes casos, de violações por pessoas pivadas, singulares ou colectivas, a jurisdição competente será a judicial. Existe, no entanto, outra posição que defende a possibilidade de, na linha do artigo 37º/3 CPTA, este caso ser apreciado na jurisdição administrativa desde que em “litisconsórcio necessário passivo com uma entidade pública ou equiparada e sempre após esta ter sido colocada em situação de passividade ilegítima perante uma ofensa ao património cultural”. Finalmente, nota ainda para mais uma situação, que se refere à perseguição contra-ordenacional de condutas lesivas de bens e interesses culturais que, pelo art.4º/1/l) do ETAF, não pertence aos tribunais administrativos, o que é algo estranho dado a aplicação de coimas e respectivas sanções acessórias por violação do património cultural ser feita através de um acto administrativo.



Sebastião Marques

Nº18409

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